sábado, 4 de abril de 2009

O amanho do linho por processos primitivos

A cultura do linho por processos primitivos

No lugar de Vila Boa, várias casas de lavoura semeavam linho, cito apenas os Lavradores, que faziam espadadas, onde se juntavam as criadas, jornaleiras, as filhas dos lavradores, vizinhos e lavradeiras, para espadar todo o linho num só dia, ou numa só noite. 

A maior parte das vezes, aquela tarefa era feita durante a noite.

Casas de lavoura, do Catalão, dos Pocinhos, da Tomada, dos Nunes de Baixo e de cima, dos Cunhas e  casa de lavoura da Claudina Pereira. 

A minha mãe, espadou e fiou linho e também carpiou e fiou lã, para as lavradeiras daquelas casas que citei.

A sementeira do linho era feita num campo de regadio e muito soalheiro.

Aquela planta para se desenvolver em condições naturais, precisava de muita humidade na raiz e muito sol no caule. O linho era semeado no mês de Abril.

A terra era amanhada, nos mesmos moldes da sementeira do milho. A estrumação da terra é que era diferente. Para a cultura do linho, era usado um esterco bem curtido e miudinho para se desfazer na terra. Quando era possível, estrumavam com estrume das cortes das ovelhas, gado cavalar e dos porcos.

Depois da terra pronta, faziam pequenas margens, separadas por regos, semeavam a linhaça, esgadanhavam a terra com um engaço de dentes de ferro, para a semente ficar coberta.

De seguida regavam a terra, com um pequeno pilheiro de água, de forma a entrar na margem em leque e não arrastar a terra, só molhá-la e o lavrador com a sachola de crista, batia os sítios mais altos, para ficar tudo plano.

O linho nasce e é regado três vezes por semana. Na rega, não se cava a terra, para abrir ou tapar os pilheiros da água, usavam vassouras de giesta ou bucheiros, que iam mudando de rêgo para rêgo e desta maneira aproveitam-se as sementes que nasceram nas bordas do rego, no qual semeavam o milho, chamado restivo, que só se desenvolvia depois de ser arrancado o linho.

Antes do linho florir, procedia-se á monda de todas as ervas daninhas, de forma a ficar só o linho.

Pela acção do Sol e a terra sempre húmida, o linho desenvolvia-se rapidamente e ficava todo florido com uma flor lilás.


Com a devida vénia do Autor


Nesta foto, deste campo de linho,, está o meu afilhado Ambrósio, filho do meu irmão Manuel, que muito gentilmente me cedeu a citada foto.

Quando a flor caía, no seu lugar apareciam pequenas bolinhas, onde se criava a linhaça, que além de semente, era usada como cura de doenças, dores de barriga, constipações, gripes, etc...


Depois das plantas ficarem maduras, o linho era arrancado com muito jeito, para não partir e deixado ás gabelas em cima da margem.

No fim da arrancada, a raiz era sacudida até largar a terra que ainda mantinha na raiz.

Depois, o linho era enfaixado em molhos, de maneira que a raiz ficasse toda para o mesmo lado.

A seguir, era transportado para a eira, onde era ripado numa alfaia de dentes de ferro, chamada ripador ou ripanço.




    Com a devida vénia do Autor
Este ripador, também chamado cedeiro, é pertença da casa de lavoura do Sr. Casimirinho da Venda, onde também cultivavam a sementeira do linho.
Casa de lavoura do Sr. Casimirinho da Venda

Depois de separada a baganha, era espalhada no ladrilho da eira, para secar e assim ser extraída a linhaça, para a futura semente e para fazer remédios e outras aplicações.

O linho era amarrado aos molhos e levado para o rio ou poços, onde ficava mergulhado debaixo da água corredia, com umas tábuas e pedras em cima, para se manter debaixo da água, durante dez a doze dias, até ficar curtido e largar todas as impurezas.

Ao fim daqueles dias, era retirado da água e estendido ao Sol até ficar completamente seco. Durante a secagem era virado várias vezes ao dia, com jeito para não partir as fibras.

Quando estava bem seco, era amarrado em molhos e transportado para a eira, para ser malhado ou maçado com um maço de madeira, até ficar em fibra.

                                                                                                         Com a devida vénia do Autor

Nalgumas freguesias, o linho era tratado para ficar pronto a fiar; num engenho, movido a água ou  movido por gado, onde o gado andava á roda num reduto, nos mesmos moldes, da nora de tirar a água para regar os campos.

No lugar de Vila Boa, era tudo feito á mão, desde a sementeira do linho, até se transformar em tecido. Mas alguns lavradores iam fazer esse trabalho ao engenho.

De seguida fazia-se a espadada, que normalmente era feita durante a noite.

                                   Com a devida vénia do Autor- cortiço, espadela e ripanço.

As mulheres espadavam o linho de pé. Cada mulher a dias, que ia espadar o linho, para as casas de lavoura, levava o seu cortiço e a sua espadela.  Á beira de cada mulher, era colocado um molho de linho, de onde tirava uma mão cheia de cada vez e a segurava na boca do cortiço, estendida na vertical, batia várias vezes com a espadela na paiha, até separar a casca e ficar apenas a fibra do linho, pronta para pôr na roca e fiar.

Quando a mão-cheia estava espadada, era passada no sedeiro, um instrumento de madeira, com dentes de ferro afiados, num lado, os dentes estavam mais juntos, no outro lado, estavam mais espaçosos. Na parte onde estão mais juntos, ao sedar, sai a estopa, na outra parte sai o linho.

A manada que fica pronta no sedeiro, chama-se estriga, era dado um nó a meio, metiam-nas em grandes sacos, dali iam para a roca, para serem fiadas.

A sedagem era para separar as fibras mais compridas das mais curtas. Todas as fibras eram linho, mas a estopa dá um tecido mais grosso. As fibras mais compridas, dão um tecido mais fino, chamado bragal.

A fibra que caía no chão, que saía da espadagem, chama-se tomentos e dá um tecido muito grosso, chamado burel, é muito difícil de fiar, devido aos restos da casca, que ainda contém e desse tecido grosso, faziam  camisas, lençóis, as capas de burel etc....

                          Com a devida vénia do Autor.          Capas de burel, usadas por mães e filhas

A fiação do linho, era feita á noite a seguir á ceia. Ali se juntavam as filhas, a criada e a patroa. Quando não havia filhas, o serão era feito pela ama e criada. A criada não podia ir para a cama, sem ter fiado pelo menos seis maçarocas.


Os serões ás vezes iam até altas horas da noite, e os moços solteiros, aproveitavam a noitada e vinham falar ás moças, como acontecia com as minhas vizinhas, filhas da Sra. Albininha do Catalão, Elvira e Arminda.

Os tomentos, estopa e algum linho, eram dados a fiar a fiandeiras, mulheres muito pobres, que aceitavam fiar doze meadas por meio quarto de milho. Cada meada levava doze maçarocas.

                                                             Com a devida vénia do Autor.

   Esta fiandeira está a fiar linho.                              

           

                                         Com  a devida vénia do Autor.

A medida da grossura de cada meada, era a meada preencher o espaço entre o dedo anelar e o polegar, dentro da mão fechada.

A minha mãe para conseguir acabar a empreitada mais depressa, ensinou as três filhas a fiar, a Maria, a Alzira e a Emília.

A minha irmã, Emília era a mais nova, com apenas seis anos, foi a que aprendeu mais rápido, tanto a fiar lã, como o linho.

Como era muito pequenina, e o chão da casa era de terra, a minha mãe fez um buraco no chão, enfiou lá o fuso para ele não fugir da mão, pegou-lhe na mão e ensinou-a, a torcer o fio e andar com o fuso á roda. As crianças também colaboravam na tarefa da fiação do linho e lã.

Como eu era rapaz, não fiava, tinha de enrolar as maçarocas no sarilho, para fazer as meadas. Quando acabava de enrolar a massaroca, a minha mãe vinha fazer a emenda do fio. Tinha de ser dado um nó de tecedeira. Aquele nó era especial. Se não fosse feito nó de tecedeira, o tecido ia ficar com defeito, e o futuro tecido, ficava com defeito e podia romper naquela emenda, com o nó de tecedeira, nem sequer se notava onde o fio foi emendado.

Acabada a empreitada da fiação do linho, a minha mãe entregava as meadas ás lavradeiras, e recebia os quartos de milho correspondentes ao trabalho.

De seguida as meadas eram lavadas com sabão, bem esfregadas e batidas na pedra do tanque

As meadas de tomentos e algumas de estopa, seguiam para o coradouro, onde coravam, e voltavam a serem lavadas.

Aquelas meadas, não iam á barrela, destinavam-se a fazer o chamado linho de pano-cru. Eram dobadas na dobadoura, e passadas para novelos, que ficavam prontos para a urdidura.

A barrela


As outras meadas, eram metidas num grande cortiço, tipo dorna, furado no fundo, chamado barreleiro, por cima de cada camada de meadas, era peneirada cinza, a ultima camada de meadas era coberta com um pano tipo filtro, por cima era peneirada cinza até ficar todo coberto.


                                                  Com a devida vénia do Autor

Durante três dias, votavam em cima do pano, potes de agua a ferver, que depois de atravessar as meadas, saia lentamente pelo fundo do barreleiro.

Eu era curioso e perguntava á Senhora Rosinha do Catalão, porque votava ali a água quente e cinza; – Ela dizia que era para curtir as meadas.

Acabada a barrela, as meadas eram novamente lavadas e postas no coradouro a corar, depois de coradas, eram colocadas na dobadoura e passadas para novelos.

As lavradeiras guardavam em sacos todo o linho em novelos, bragal, estopa e tomentos. Cada qualidade era pesada. O linho era vendido nas feiras, também em novelos e estrigas, a quem quisesse mandar fazer os seus enxovais directamente á tecedeira. 


Com a devida vénia do Autor

Só os grandes lavradores é que semeavam o linho, os pequenos lavradores e caseiros compravam o linho já em tecido, porque lhes ficava mais barato.



Nesta casa de lavoura do Sr. António Pereira no lugar de Vilaboa também se cultivava o linho e se espadava e se davam empreitadas as fiandeiras para fiar o linho



 tecido

Haviam no lugar de Vilaboa várias tecedeiras, entre outras, a esposa do Sr. António "Caramona" que era uma excelente tecedeira e fiandeiras de linho e lã. A minha mãe, era uma dessas fiandeiras, fiava linho e lã e fazia meias  e luvas de lã. Ainda tenho vários pares de meias, feitas pela minha mãe.

                  A minha mãe, Albertina Alves Teixeira, á porta da única entrada do nosso casebre.
                                                          

                                                                  Com a devida vénia do Autor.
Uma fiandeira a fiar lã.

Os sacos cheios de novelos de linho, eram entregues á tecedeira, para ela tecer a obra que se pretendia, de pano de estopa, linho ou tomentos, que como atrás descrevi, podia ser em pano-cru ou pano curado.

                                            Com a devida vénia do autor

A tecedeira preparava a urdidura e a teia, usando uma grande dobadoura, na qual passavam vários fios pela espadilha, da qual saíam os tomos da cruz do tear da parte de cima, e em baixo os tomos da cruz dos cadilhos. Trabalho Manual e muito cansativo.



                                                         Com a devida vénia do autor

As tecedeiras de teares manuais, faziam todo o tipo de tecido, liso, riscos ou quadrados, etc... Na freguesia do Rego, havia várias tecedeiras, que teciam o linho e lã. Havia pelo menos uma no rego, que tecia vários tipos de mantas e passadeiras, feitas de farrapo velho. O tear que tecia aquela obra, era diferente daquele que tecia o linho ou lã. Aquelas tecedeiras, também teciam pano para fazer cobertores e colchas de lã.


                                                               Com a devida vénia do Autor

Ao descrever estas memórias da freguesia do Rego, estou a utilizar as palavras que ainda me lembro, e que eram usadas pelas mulheres que espadavam o linho e que hoje saíram de uso, exemplo, espadar, espadada etc...

Na freguesia do Rego, também se faziam outras culturas, batata, painço, relva, centeio e trigo etc...O trigo e o centeio, eram semeados nas terras secas e não se faziam sachas, porque aquelas culturas não admitem tal processo, assim como na cultura do linho, relva e painço, apenas se faziam várias mondas, das ervas daninhas. 

Os trabalhos mais árduos, eram os das cegadas do trigo e centeio.

Narrei ao promenor,como se faziam as sementeiras do linho e do milho, na freguesia do Rego, por serem as mais trabalhosas e para que a memória não se apague e os jovens de hoje e os de amanha conheçam os trabalhos dos seus antepassados, na cultura do pão e sua vestimenta proveniente do linho.


                                                                 Com a devida vénia do Autor.

Ambrósio Lopes Vaz

  Caros amigos, amigas e seguidores do blog “Memórias da freguesia do Rego- Celorico de Basto”, comunico a todos que as “Memórias da fregues...