quarta-feira, 4 de março de 2009

A sementeira do milho, na Aldeia do Rêgo

A sementeira do milho, na Aldeia do Rêgo

O processo da cultura do milho era arcaico

Quando o pão chegava à mesa, deixava atrás de si, um ror de trabalhos, canseiras, suores e despesas.
 As lavouras eram as que causavam maiores “dores de cabeça” aos lavradores e caseiros.

. Vou descrever o cultivo do milho, até se transformar em pão, porque foi um costume que se perdeu no tempo e que deve perdurar para que não se apague a memória.

 Primeiro, arrancava-se o esterco das cortes e era levado aos cestos para o carro de bois, devidamente apeirado com as caniças, depois de cheio seguia o caminho dos campos, veiga, prado, currais, penouta, mangarela, arregontim, devesas, reboredo, macieiras, seixosas, etc... , conforme o campo que lhe era destinado. 

  Os caminhos eram dolorosos, nalguns sítios eram precisas, duas juntas de vacas para puxarem os carros, quando estavam carregados. 

  Havia quelhas que o condutor do carro não conseguia ir á soga das vacas, pois em certos sítios empossavam grande altura de água, lama e pedras como acontecia nos caminhos para os campos das veigas e mangarela.

 O lavrador ia por um carreiro por cima dos campos e daí conduzia as vacas com a aguilhada, até chegar a caminho enxuto para retomar o comando pela soga. 

No campo, o estrume era descarregado aos montes, distanciados uns dos outros e em carreiras, em que as distâncias eram medidas a passo.

De seguida o esterco era estendido na terra, usando o engaço de dentes de ferro e a forquilha

  Era um trabalho muito ruim, porque o esterco vinha às postas e não se desligava, tinha que se desfazer e estendê-lo até ao extremo da carreira. 

Este serviço rebentava com os braços às pessoas, normalmente era destinado aos jornaleiros e criados, quando existiam. 

Depois de espalhar o estrume, fazia-se o cadabulho junto às bordas, em redor do campo que se ia lavrar.
                                                                        Com a devida vénia do autor. 

Cavava-se a terra em todos os cantos do campo e abria-se o primeiro rego, para o arado e o gado poderem começar a lavoura

Apeiravam-se pelo menos duas juntas de vacas, (nos campos grandes três) com os jugos, compostos de arcos, varetas, latos, tamoeiro e cambão para fazer o engate no primitivo arado, que só lavrava, segurado e guiado, por um homem. Ainda não existia charrua na Aldeia do Rego, só existia o arado premitivo, o que levava o dobro de tempo a lavrar.
                                                                               Com a devida vénia do Autor 
 Este campo, confrontava com o novo estradão, que ligava o lugar da Lameira até ao Zé D/Além.

                                               
   Com a devida vénia do Autor.

Começava a lavoura, era um trabalho muito cansativo, para quem chamava as vacas no rego, para o homem do arado e até para as vacas.

 
                                                      Com a devida vénia do Autor.

Conforme o arado ia virando a terra, a ceita (a) era picada à sachola, por várias pessoas que se encontravam distribuídas pelo terreno onde caía a ceita.
                                                                                     Com a devida vénia do Autor.

Este processo de cortar a ceita e deixa-la aos torrões, só era usado nas sementeiras de milho, semeado a lanço, pelo homem , porque nas sementeiras, onde o milho era semiado pela maquina, era com a grade que se preparava o terreno para a sementeira.

 Nas freguesias rurais da cidade do Porto, e Vila de Matosinhos, onde trabalhei, as alfaias eram modernas. Havia charrua, semeador e sachador, não era preciso picar a leiva

Usavam a grade para fazer aquele trabalho. 

Havia máquinas para tudo. Mas, ainda não havia tractores e as debulhadeiras trabalhavam movidas por  motores a petróleo

Depois de lavrado a terra e picada toda a ceita, o lavrador distribuía vários sacos de semente pelo terreno, dali enchia a cesta, e lançava as sementes à terra. 



Nos campos grandes, chegavam , andar dois e três semeadores a semear a lanço. 

Quando estava tudo semeado, o terreno era todo gradado, com a grade virada com os dentes para a terra, para desfazer os torrões e cobrir o milho, essa manobra era feita mais de que uma vez. 

Quando estivesse tudo desfeito, a grade era virada de dentes para cima e corria o campo todo, até a terra ficar toda plana. 

Nas terras mais húmidas era colocada uma grande pedra para fazer peso e assim a terra ficar mais assapada.

 Feita a sementeira do milho nos campos de regadio, eram abertas tornas, separadas por regos, para as futuras regas. Nos campos sequeiros não abriam tornas.A rega era do "Céu"

Durante os trabalhos da lavoura, se o campo era longe de casa, o jantar era servido no campo

A patroa e a criada levavam o jantar ao campo, em grandes cestos, com potes e almofias próprias para transportes da comida, grandes cabaças de vinho, louças e toalhas

Todos bebiam pela mesma malga ou infusa. 

Por vezes, improvisava-se uma mesa, que era o carro de bois, as pessoas acomodavam-se como podiam, uns comiam sentados nas bordas, outros arranjavam umas pedras para fazerem de banco.

.O que interessava era encher o bandulho.
                                                                           Com a devida vénia do autor 

Aquele presigo era convidativo, um tipo de cozido à portuguesa, acompanhado por broa e vinho. 

Tudo muito bem cozinhado. 


                                                      
Com a devida vénia do Autor.

Depois, uma tigela de caldo que exalava um cheirinho agradável, misturado com o cheiro do estrume; das ervas e de variadas árvores que rodeavam o campo, completava um jantar inesquecível. Quando ia chamar as vacas nas lavoiras, tirava a minha barriga de misérias.

 Durante o jantar, o gado era preso a árvores e também comia ali o seu penso, que era uma erva fresquinha do lameiro ou o azevém misturado com erva ferrã, e como sobremesa, uma gabela de feno ou molhos de palha milha. 

A meio da tarde, a dona da casa aparecia no campo com a merenda para toda a gente.

 Trazia um grande açafate à cabeça e ainda uma cesta na mão. 

Era servido arroz, postas de bacalhau frito, polvilhado com açúcar, broa e vinho à descrição.
 O dia da vessada era um dia especial. 

A comida era feita a rigor com todos os condimentos daquela época.

 De regresso para a ceia, as mulheres, as moçoilas e até os homens, cantavam em uníssono, as canções da igreja: o Avé, a Miraculosa e outras canções da época

Os seus cânticos entoavam pelos caminhos e ouviam-se á distância. 

Ao chegar ao povoado, o povo abria os janelos, para ver passar aquela  improvisada "tuna".

  Quando o milho começava a nascer, era altura de completar a sementeira, nos bocados que estavam em branco. semeavam o feijão e os calondros

Semeavam feijão moleiro, branco manteigueiro, canarinho, ou mistura e, por vezes, o chamado feijão de sete semanas.

 
                                                                      Com a devida vénia do Autor.

Aquele trabalho era feito pelas mulheres mais idosas e muito pobres, faziam aquele trabalho para ganhar a malga de caldo..., munidas por um grande chuço de madeira, aguçado na ponta, tiravam o feijão da abada e as pevides da algibeira, e deixavam-no cair onde queriam que a semente nascesse. 

Faziam um buraco e empurravam as sementes para o buraco e tapavam os buracos com terra, empurrada com o chuço. Como o feijão era caro, só era semeado o necessário. 

Eram feitas três mondas. 
 A primeira era feita antes da primeira sacha, chamada decrua, que consistia em retirar as ervas e a terra da beira da raiz do milho e deixar a raiz ao sol.
A segunda monda era feita antes da segunda sacha, chamada arrendar
Nesta sacha, arrancam-se as ervas e aconchega-se a terra à raiz do milho. 

                                                                     Com a devida vénia do Autor.



A última monda, consistia em retirar os milheiros machos que não dão espiga, e outros que estavam a prejudicar a boa maturação. 

  Depois da segunda sacha, o milho de regadio começava a receber as primeiras regas. O outro milho, só recebia as regas do céu.

                                                               Com a devida vénia do Autor.


                                                                         Com a devida vénia do Autor.


 Quando a barba das espigas ficava preta, cortavam-se as crochas ou o pendão. Em fins de Agosto colhia-se o milho das terras secas. 

No fim de setembro cortava-se o milho dos prados e o das veigas.

 Ás vezes, o milho só era cortado, em meados de Outubro, conforme o ano corresse mais seco ou chuvoso

Depois era carregado e levado para o desfolhadouro, que podia ser junto à eira ou no próprio campo. As melhores espigas eram apartadas para a semente das próximas sementeiras. 

                                                                             Com a devida vénia do Autor.


 Ali faziam-se as desfolhadas, quase sempre à noite, onde apareciam os rapazes solteiros para falarem ás moças.

 A faladura era feita à distância, com um funil na boca, para disfarçar a voz e não serem reconhecidos.

 Apareciam embrulhados num lençol, ou outros disfarces, e cara tapada. 

Os moços que falavam ao serão, também se chamavam tunantes.

 Quando se desfolhava uma espiga de milho rei, havia direito a beijos e abraços.

 A palha era atada aos molhos e posta em medas, junto aos campos da casa e as espigas eram colocadas nos espigueiros, alpendres ou eiras



                                                                          Com a devida vénia do Autor.

Secas as espigas do milho, procedia-se à malha que, normalmente, era feita dentro do alpendre.



Neste alpendre junto a eira, ao lado do espigueiro, da casa de lavoura do Sr. Manuel e Rosinha do Catalão, assisti a diversas malhas de vários ceriais, dentro do alpendre e na eira,a Sra. Rosinha do Catalão também escrivava milho a mão, junto ao rego de água.
 

                                                                             Com a devida vénia do Autor.

Seis ou oito malhos, divididos a meio, de frente uns, para os outros, malhavam alternadamente. 

Quando uns malham nas espigas, os outros estavam no ar, e assim sucessivamente. 
Faziam um barulho característico quando malhavam certos. 

Acabada a malha, com engaços de dentes de pau, separaram-se os carolos do milho e, de seguida, escriba-se (b) o milho num escribador de madeira, que era movido por uma roldana, manobrada manualmente por uma pessoa. 

Este engenho era munido de vários crivos. (b) - Na aldeia, as pessoas trocavam o "v" pelo "b".

 Só os grandes lavradores, tinham escribador. Os  pequenos lavradores e caseiros, pediam o empréstimo do escribador,aos lavradores abastados. 

 Nalgumas casas, o milho era todo escribado á mão. Este trabalho era feito por várias mulheres, só  quando havia corrente de vento, para ajudar a expulsar a munha. Este costume também desapareceu. 

Hoje é tudo feito com a debulhadeira, que debulha e escriba o milho.Houve grande evolução. Desapareceram os processos antigos.

Seguia-se a secagem do milho, que era feita na eira e por vezes, sobre um grande tolde, que era colocado em toda a área da eira.  


                                                                   Com a devida vénia do Autor.
Durante vários dias, de hora a hora, o milho era mexido com os pés, ou com um engaço de dentes de pau. para secar todo ao mesmo tempo. De noite ou quando chovia era guardado dentro do alpendre.

 Depois de seco, era medido e metido na tulha. No caso dos caseiros, entregavam duas partes ao senhorio e ficavam com uma parte. Na cidade do Porto e Vila de Matosinhos onde trabalhei, como moço de servir, os lavradores faziam um contrato de arrendamento diferente daquele da aldeia. 




Os lavradores, conhedores daquilo que os seus campos produziam em anos normais, celebravam um contrato baseado em duas partes para o senhorio e uma parte para o caseiro, mas,nas seguintes condições; No São Miguel (mês de Setembro) pagar ao senhorio; X rasas de milho, X rasas de batatas, X rasas de feijão etc... Era exigido ao caseiro, um fiador, que constava no respectivo contrato.Os contratos já vêm de muito longe, vejam este recibo, que suponho ser de um pároco, a dar quitação ao caseiro, daquilo que recebeu e ficou a dever, no ano de 1847.


Caso o ano corresse mal, por questões climatéricas ou outras e que as colheitas ficassem reduzidas a metade ou menos; o senhorio recebia o contratado e o caseiro ficava reduzido á miséria, porque não ficava com nenhuma parte da produção, para sustentar a familia e ainda ficava em débito ao senhorio.
Os leitores de " Memórias do Rego":- Dirão. Mas que tem haver o concelho do Porto ou o concelho de Matosinhos, com os costumes da freguesia do Rego? 

Caros ledores, havia uma grande diferença entre os caseiros-rendeiros da freguesia do Rego e caseiros-rendeiros do Porto e Matosinhos. Os caseiros da aldeia do Rego, tinham sempre garantida uma parte da produção, os senhorios do Porto e Matosinhos tinham sempre duas partes da produção garantidas e os caseiros só tinham uma parte da produção garantida se as colheitas fossem normais, o que nem sempre acontecia. Por isso citei esta grande diferença. Embora houvessem algumas excepções.

Os lavradores e caseiros, eram obrigados a manifestar a quantidade de todas as colheitas de ceriais, num impresso próprio e entregavam-no ao Regedor, que depois de o conferir e assinar, era entregue ao presidente da Câmara Municipal da Comarca.

Durante as culturas, a Camara Municipal, mandava os fiscais, fiscalizar os campos que estavam cultivados e fazer a devida anotação no livro destinado para aquele efeito.  Como se pode ver na foto em baixo, o fiscal no meio do milho a fazer anotações.


                                                                          Com a devida vénia do Autor. 


O fiscal da camara Municipal a tomar apontamentos no meio do milho. Os municipios mandavam fiscalizar todos os campos de cultivo de milho, para ver se estavam em conformidade com os manifestos que os produtores entregavam ao fim de cada colheita, ao regedor de cada freguesia, os regedores depois de conferirem os manifestos,entregavam os mesmos nas camaras municipais.



A fornada (cozer o pão)

O milho ia em sacos para o moinho, depois de moído, a farinha, era metida em foles, e transportada ás costas até casa (isto quando se tratava de moinho próprio ou comunitário).

A patroa fervia um grande pote de água, suficiente para amassar alqueire e meio de farinha, nos grandes fornos. Ás vezes a fornada era de dois alqueires, quando haviam vessadas ou outros trabalhos, que juntavam muita gente.

 
                                                     Com a devida vénia do Autor

E o pão era cozido para durar até três semanas.
Deitava-se dentro da maceira, a quantidade de farinha que se pretendia cozer. 

  Desfazia-se o fermento e misturava-se com aquela farinha. Nalgumas casas, juntavam uma porção de farinha de centeio.

 De seguida, lançava-se a água na farinha e amassava-se tudo bem amassado, até ficar uma massa uniforme

Depois deitava-se farinha seca por cima, alisava-se a massa e fazia-se uma cruz por cima. 

Passadas umas horas, a massa abria umas gretas a meio, estava levedada. 

Daquela massa era retirado o fermento para a próxima fornada

Acendia-se o forno e rezava-se por todas as almas que estivessem a sofrer no purgatório.


                                                                      

                                                                Com a devida vénia do Autor. 

Se a Sardinheira já tivesse passado, compravam-se sardinhas para assar em cima do bolo, e ia servir de presigo, para o jantar ou merenda.

                                                              Com a devida vénia do Autor.

Quando as paredes estivessem vermelhas, estava em condições para cozer a fornada. 

Retiravam-se as brasas e vassourava-se o forno.

 Deitava-se dentro da escudela no fundo, farinha seca para a massa não se agarrar, depois a porção para a broa que queria fazer, com a escudela moldava-se a broa, punha-se na e deitava-se no forno, por cima duma folha de couve. 

                                                             Com a devida vénia do Autor.


Quando estivessem todas as broas dentro do forno, colocava-se a porta e barrava-se em toda a sua extensão, com bosta das vacas. Passadas umas horas o pão estava cozido. 



                                                              Com a devida vénia do Autor
                                                     

Narrei estes costumes, para que os nossos jovens de hoje, conheçam os trabalhos que os seus antepassados. avós e bisavós passaram até poderem comer o pão.

 Com a devida vénia do Autor.




                                                        Com a devida vénia do Autor


Curiosidades

As medidas usadas para medir os ceriais, naquela época eram: o carro, quintal, um alqueire, meio alqueire, um quarto de alqueire e quartinho de alqueire. 
Que correspondem a rasa, meia rasa, quarto , meio quarto e quartinho.



                                  Duas medidas de ceriais, rasa e meia rasa, que hoje servem  para enfeitar.                                           Fazem de vasos para flores.




a) Na cidade do Porto e concelho de Matosinhos, nas casas de lavoura,onde trabalhei, como moço de lavoura, não se chamava ceita, chamava-se leiva.

Ambrósio Lopes Vaz

segunda-feira, 2 de março de 2009

Um regedor tolerante

Um regedor tolerante

O regedor era um agente de autoridade na freguesia, nomeado pelo presidente da câmara. Em cada freguesia havia um regedor e um substituto deste, ambos nomeados pelo presidente da câmara municipal e por ele livremente demitidos.

As freguesias podiam para melhor organização dos serviços de polícia, ser divididos em secções, á frente das quais havia um cabo de ordens nomeado pelo presidente da câmara.

O regedor e os cabos de ordens, podiam ser coadjuvados por cabos de polícia que lhes eram subordinados e que eram também nomeados pelo presidente da câmara.

Atribuições do regedor-- Incumbia ao regedor de freguesia:

1º Executar e fazer executar todas as ordens e deliberações municipais que lhe fossem comunicadas pelo presidente da câmara.

2º Velar pela observância das posturas municipais e paroquiais e regulamentos de polícia, levantando autos de transgressão, que remetia á junta de freguesia ou á secretaria da câmara.

3º Participar ao presidente da câmara todas as faltas e irregularidades que notasse na administração paroquial.

4º Dar parte ás autoridades policiais do concelho, dos crimes de que tiver conhecimento e das provas que obtiver para a descoberta dos criminosos

5º Coadjuvar as autoridades judiciais e policiais em todos os actos de investigação criminal para que o seu concurso seja requerido.

Tomar providências para assegurar a ordem, segurança e tranquilidade pública, segundo instruções recebidas das autoridades policiais do concelho, ou por sua iniciativa, nos casos urgentes.

7º Prestar ás autoridades sanitárias todo o auxilio de que carecem para o exercício das suas funções.

8º Participar imediatamente ao delegado ou subdelegado de saúde e ao presidente da câmara os factos perturbadores da saúde pública de que tenha conhecimento, a aparição de moléstias epidémicas ou suspeitas e as transgressões das Leis, Regulamentos e Posturas sanitárias.

9º Impedir que se enterre cadáveres fora dos cemitérios públicos.

10º Impedir que se sepultem cadáveres sem guia de enterramento passada pela competente conservatória ou posto do registo civil.

11º Atestar gratuitamente, na impossibilidade absoluta da comparência de médico para a verificação do óbito e caso não haja suspeitas de crime, que viu o cadáver e quais as informações dadas por pessoas idóneas sobre as causas possíveis da morte.

12º Convocar os vizinhos para a extinção de incêndios e dirigir os respectivos serviços, quando não estiver presente algum técnico.

13º Exercer qualquer outra função de que seja encarregado pelo presidente da câmara ou que as leis e os regulamentos lhe confiram.

Como se pode observar, o regedor era a autoridade policial, principal da freguesia, dependia directamente do Ministério do Interior, porque era ele, que nomeava o presidente da Câmara.

Porém,o regedor não recebia ordenado por aquele trabalho, que por vezes lhe ocupava o tempo todo. As únicas regalias que tinha, era pôr os filhos a estudarem no colégio dos Pupilos do Exército de borla, e também gozarem férias gratuitas, nas Colónias de Férias “General Carmona”e “Doutor Oliveira Salazar”

A freguesia do Rêgo era bastante complexa em relação ás outras freguesias. Na vila dizia-se que era a freguesia que mais dinheiro dava ao tribunal.

Desordens, partilhas, roubos e de vez enquanto alguns assassinatos, de que falarei nos costumes. O regedor António Lopes de Carvalho, conhecido pelo “Custódio” não prendia ninguém, mandava o Cabo de Ordens fazer aquelas tarefas.

Mas só em casos muitos graves, é que os Indigentes eram enviados para a cadeia, O Cabo de Ordens prendia os ladrões e obrigava-os a devolver o roubo aos donos e a pedir-lhe perdão.

O “Custódio” era um regedor tolerante e até prestigiado pela maioria do povo.

Havia vários tipos de roubo, coelhos, galinhas, farinha e milho dos moinhos, couves, erva, e lenha nas moutas, que era o mais frequente. Os Indigentes roubavam os carvalhos que já estivessem secos, porque no caso de serem descobertos, (o que acontecia na maior parte das vezes) o crime não era tão grave.

Os lavradores parece que tinham os carvalhos contados, todos os dias iam ás coutadas ver se tinham sido roubadas arvores de noite, o que acontecia muitas vezes, e seguiam o rasto até ao casebre dos Indigentes, e por vezes apanhavam-nos ainda a serrar ou rachar os toros, como aconteceu por duas vezes ao meu pai, Manuel “Pistola,” que de noite foi a uma mouta roubar um carvalho. 

O lavrador de manhã foi fazer a ronda á bouça, para ver se tinham roubado algum carvalho e viu que faltava um. Seguiu o rasto do caminho por onde passou o ladrão e foi direito a casa do larápio, que neste caso, era o meu pai. 

O dono da mouta, contatou o regedor Custódio, ele deu ordem ao cabo de ordens, para fazer as diligêncas referentes ao roubo e tomar a decisão adequada aquela infração.O meu pai pediu mesericórdia.

Pediu que não o prendesse.Decisão:

O meu pai foi obrigado a levar a lenha ao dono da Mouta, rachada, pronta para queimar e pedir perdão ao dono da coutada, para não ir preso. 

Mas, o Cabo de Ordens ao ver a nossa miséria, consentiu que o meu pai escondesse um cesto de canhotos e ficasse com eles.

Estes favores de escapanço da prisão, ficar com algum produto do roubo, como os indigentes não tinham dinheiro para peitas, eram pagos com trabalho gratuito, prestado ás autoridades policiais.

Quando haviam roças de mato, renovação de terras, vessadas etc., os lavradores-policiais, pediam aqueles indigentes, para lhes darem uma ajuda, trabalhavam só pela mantença. Não havia pagamento de jorna.

As vezes davam um naco de pão, para trazer para casa, ou umas batatas ou restos de comida.

Não é agradavel descrever estas histórias reais, dos meus queridos saudosos pais. Mas caros seguidores e leitores do meu blogue, nunca tenhamos medo de dizer a verdade, mesmo que tinhámos de pagar caro a nossa ousadia. Foi esta a educação,que os meus queridos saudosos pais me incutiram.

Naquela época,havia dois tipos de ladrões, a quadrilha, que eram de fora da freguesia e pela calada da noite, roubavam, os gados, vacas, bezerros. éguas, potros, porcos, ovelhas, cabras, cabritos e anhos, e os assaltantes, que assaltavam as pessoas e casas. 

As cortes das vacas, do regedor foram incendiadas.

Um pequeno lavrador, do lugar do Rego, pegou fogo ás cortes do Regedor, com intenções de queimar as cortes e o gado.

Aquele crime foi praticado a altas horas da noite.

Acontece, que aquela hora da noite, o meu pai, Manuel Pistola de Vila Boa, como de costume, acordava o filho Ambrósio, para ir mijar á porta do casebre, para evitar que urinasse na cama, urinasse os irmãos, como todas as noites acontecia.

Logo que abriu a porta, viu um clarão do fogo, e disse á minha mãe que havia fogo nas Seixosas. Ou era nas cortes do António do Bento ou nas do Custódio.

Disse á minha mãe, que ia tentar salvar o gado e conseguiu salvar as vacas. A seguir foi tocar o sino a rebate, como era costume sempre que acontecia alguma desgraça.

Entretanto, galgando o carreiro das Macieiras em direcção ao Poço das Latas, ia gritando. Aquedel-rei-fogo.

Aquela boa intenção do meu pai, de tentar salvar as vacas do regedor, transformou-se numa grande tragédia para a família dos Indigentes Pistolas.

No dia seguinte, o lavrador António Custódio, que tinha as funções de regedor, mandou prender o meu pai, Manuel Lopes Vaz e o seu pai, meu avô, Francisco Lopes Vaz. Era nestes dois desgraçados que caíam todas as suspeitas.

O meu pai, por ser ele a dar conta do fogo aquela hora. O meu avô porque era um grande borrachão.

Foram entregues pelo regedor, ao Juiz de paz e seguiu-se a situação descrita.

O juiz de paz era um serventuário do regime fascista, que ultrapassava as funções que lhes tinham sido atribuídas.

Não sei o que ele terá feito a outrosNarro o que ele fez aos Indigentes "Pistolas” de Vila Boa e Bolada.

Os Indigentes, Francisco Lopes Vaz e Manuel Lopes Vaz, pai e filho, conhecidos pelo Pistola de Bolada, que era o meu avô e padrinhoe o meu pai, Pistola de Vila Boa.

 Foram entregues ao Juiz de paz, acusados por um crime de incêndio, que não cometeram, como adiante se vê, no confesso ao Abade José Gomes, pela mulher do criminoso.

O  juiz de paz, conhecido por Russo da Tomada, massacrou-os para os obrigar a confessar um crime, que não fizeram.

Queria arrancar à força, a primeira confissão de incendiários, antes de os mandar para a cadeia.

Entraram ás oito horas da manhã e só à tarde foram levados para a cadeia da comarca.

A minha mãe ao meio-dia, levou um pote de caldo, para o meu pai e o meu avô comerem. O famigerado juiz de paz, não os deixou comer o caldo. Só autorizava se confessassem o crime de que estavam acusados. Não confessaram o crime, porque não eram culpados.

Eu, que acompanhei a minha mãe naquela diligência, quando vi o meu pai e o meu avô a chorar, a minha mãe aos gritos, comecei também a chorar. Foram mandados para a prisão da Comarca, Celorico de Basto.

Na prisão eram chicoteados com um cavalo-marinho, um em cada cela.

Ao interrogar o meu pai, diziam- confessa o crime. O teu pai já confessou. 

Senão confessares, daqui vais para o cemitério. Não sais daqui vivo. Iam para o meu avô, repetiam a mesma cena. Foram três meses de martírio. Foram massacrados, turturados, para confessar o crime.

Mas não confessaram o crime, porque não o tinham cometido. Quando saíram da prisão, pareciam dois cadáveres.

Enquanto não foi descoberto o criminoso, pairou a duvida.

Acontece, que a mulher do incendiário, quando se foi confessar, confessou ao padre José Gomes, que foi o marido que pegou o fogo ás cortes do lavrador, regedor António Custódio.

O padre  José Gomes, revelou ao regedor, António Custódio, a confissão que a mulher do criminoso lhe confessou. 

O regedor não perdeu tempo,chamou o lavrador que incendiou as cortes, e o incendiario confessou o crime. O regedor propôs-lhe, que lhe desse um dos seus campos, como indemnização, caso não o fizesse, ia preso e tinha de pagar os prejuízos do incêndio e indemnizar os Pistolas.

O incendiário aceitou. O regedor ficou com o campo. E nem desculpa pediu aos inocentes.

O meu pai disse-me – que o criminoso lhe pediu desculpa e quando deu o campo ao Custodio, ficou combinado, o regedor indemnizar os Pistolas.

Custódio. Um regedor com história

O regedor era um pequeno lavrador. Tinha como paixão, a Corrida de Cavalos. Concorria a todas as provas.

Era o concorrente mais temido. O seu lema era ganhar todas as provas.

Mercava os melhores cavalos para poder competir aqueles eventos. As vitórias eram sucessivas.

Mas, naquela Época, aquele desporto ficava muito caro. O regedor quando se apercebeu, tinha a sua lavoura empenhada.

Os amigos que tantas vezes o cortejaram, (e eram tantos) desapareceram como o fumo sem deixarem rasto.

O Custódio não tinha quem lhe fiasse um chavo.

Sente-se abandonado por todos. Deu novo rumo á sua vida.

Aproveitando a grande experiencia de Serventuário da Ditadura, monta uma Rede de Emigração Clandestina.

Por aquela Rede passaram largas centenas de milhares de emigrantes, com destino á França, Alemanha, Bélgica e Luxemburgo.

A Rede do Custódio era considerada das mais seguras. Por ela passaram também alguns políticos fugidos ao fascismo.

O Custódio era o Coordenador-Geral da Rede de `Passadores Espanhóis, criada por ele.

Tinha angariadores em vários concelhos, que faziam o recrutamento. O Coordenador Custódio só recebia o dinheiro das levas e acertava as saídas com os familiares dos emigrantes.

De princípio, o preço de passar cada clandestino, rondava o dinheiro duma vaca e depressa passou para duas.

A maioria dos emigrantes pediu dinheiro emprestado para a passagem. Não havia fiados.

A aldeia do Rêgo ficou deserta. Primeiro foram os homens, depois as mulheres e os filhos.

Passaram por grandes dificuldades para se integrar numa nova vida. Costumes, língua, convivência, etc.Muitos emigrantes não sabiam ler, o que lhe dificultou mais a adaptação.

Mas passado o primeiro ano, já diziam- Saímos do inferno viemos para o céu.

As remeças de dinheiro começaram aparecer, mas os campos ficaram a monte, não só no Rêgo, como em muitas freguesias de Portugal

Quando a PIDE descobriu quem era o chefe daquela Rede, o Custódio já tinha as terras desempenhadas e os bolsos cheios de dinheiro.

Já não lhe faltavam amigos. Teve necessidade de se homiziar. Mas não faltou quem lhe desse guarida.

Acabou por ser preso, mas mesmo na prisão teve amigos. As suas refeições eram-lhe enviadas do. exterior. Não estava preso como politico. A polícia politica, sabia muito bem que o regedor era um homem fiel ao regime.

O que o levou á prisão foi mais a fuga de mancebos á tropa, que tinham passado pela sua rede, e o regime precisava de carne para canhão.

De resto, o regedor prestou grande serviço ao seu povo.

Alguns emigrantes não voltaram, mas, a maioria voltou, construiu a sua casa, tem boas reformas, em relação aquelas, que a Segurança Portuguesa paga.

As contrariedades da vida daquele Regedor, levaram-no a praticar actos ilegais, para resgatar a sua lavoura, mas ficou na história.

Um Homem Que Levou a Cultura aos Emigrantes

Também, o Sr. Engenheiro-Arquiteto Paisagista, Ilídio Alves Araújo, filho do Casimirinho da Venda, está ligado a todos aqueles que abandonaram a Aldeia, em busca de trabalho, uns para os centros urbanos dentro do país, outros para o estrangeiro.

Aquele letrado, procurou manter os seus conterrâneos ligados á sua terra, através do jornal que fundou, “Ecos da Montanha”e Revista de Cultura Popular, da qual foi um grande colaborador.

Foram muitos, os emigrantes que beneficiaram daqueles Eventos.

O Sr. Engenheiro, quando deixou de publicar o Jornal, passou a encaminhar a Revista de Cultura Popular, para todos os conterrâneos que tinha a direcção.

Quando encontrava um conterrâneo, não tinha pejo em o cumprimentar. Na altura do falecimento do meu pai, foi-me esperar á porta do emprego, para me dar os pêsames.

No tempo do fascismo, com rigorosa censura, era difícil editar qualquer jornal ou revista. O Sr. Engenheiro Alves Araújo, foi um Homem de coragem. 

Não é Homem de retórica.

É Homem de Acção. Conheço muitos intelectuais, que só têm lábia.

Homem com letra grande. Grande Vulto.

Ambrosio Lopes Vaz


  Caros amigos, amigas e seguidores do blog “Memórias da freguesia do Rego- Celorico de Basto”, comunico a todos que as “Memórias da fregues...