Os meus pais deixaram-me fazer a 3ª classe, graças ao Inácio do Marialves, que me dava pão e a professora que, quando se apercebeu, que eu passava fome, passou a dar-me todos os dias o caldo e por vezes presigo, escondido dos outros alunos. Também cheguei a ver dar o caldo ás filhas do Rija.
Era uma professora muito humana. Em nada a beliscaram na sua dignidade, os bolos da palmatória e as vergastadas que deu aos alunos. Eu levei bastantes. Os poucos alunos que ainda estão vivos, podem testemunhar o seu passado. (Ver Post, Escola da Aldeia, quando publicar).
Como, na freguesia, só havia uma única escola e apenas com uma sala, primeiro, eram escritos os filhos e filhas dos lavradores e das pessoas importantes, ligadas ao regime, depois eram escritos os filhos dos caseiros e por ultimo, os filhos dos Indigentes, se houvesse lugar na sala em redor das carteiras.
As autoridades daquela Época
Autoridades Policiais e Judiciais da freguesia do Rêgo, regidas pela Constituição Política Portuguesa, votada directamente pelo Povo em 19 de Março de 1933 e entrou em vigor no dia 11 de Abril de 1933. Tendo sido alterada por várias Leis posteriores.
Autoridade Judicial-Juiz de Paz era uma entidade existente na freguesia, com funções de auxiliar dos serviços da justiça.
Nas sedes do concelho, a função de juiz de paz, era inerente ao cargo de conservador do registo civil; nos restantes julgados de paz, era inerente, ao cargo de professor, do sexo masculino, do ensino primário, da sede da respectiva freguesia.
Em qualquer dos casos, a função era exercida independentemente de nomeação, diploma ou posse.
Nas sedes do concelho ou de freguesia em que não havia professor do sexo masculino, o cargo de juiz de paz era exercido por pessoa idónea, incluindo qualquer funcionário publico ou administrativo, era livremente nomeado e exonerado pelo ministro da justiça, sob proposta do juiz de direito.
Aos juízes de paz competia:
1º Praticar, por delegação de juiz de direito, ou do juiz municipal da respectiva comarca ou julgado, os actos seguintes:
Deferir o juramento a louvados, tutores, curadores, vogais do conselho de família e cabeça-de-casal; tal delegação era obrigatória quando a sede do
2º Fazer cumprir os mandados e as cartas, ofícios e telegramas para citação, notificação e afixação de editais;
3º Tomar conhecimento dos crimes ou infracções cometidas na área dos respectivos julgados, mandando lavrar auto de notícia;
4º Prender os delinquentes em flagrante delito ou quando fosse admissível a prisão sem culpa formada ou ainda por ordem do juiz, delegado ou autoridade competente;
5º Exercer as demais atribuições que lhes sejam conferidas por ele.
Os juízes de paz, podiam praticar os actos judiciais nos edifícios escolares das sedes dos seus cargos, mas a horas que não colidissem com as de professor.
UM JUIZ DE PAZ INDECENTE
O juiz de paz da freguesia do Rêgo, era o Russo da Tomada. Aquele verdugo, sentia prazer em prender ou mandar prender os Indigentes. Era conhecido como administrador e não como juiz de paz.
Quando o Cabo de ordens mandava alguém apresentar-se ao administrador, as pessoas ficavam trespassadas de medo.
Não eram só os Indigentes que se queixavam, caseiros e lavradores, sempre que se falava no “Russo da Tomada” A palavra que se ouvia era. O russo da tomada é um grande tratante.
Era um serventuário do regime fascista, que ultrapassava as funções que lhes tinham sido atribuídas.
Não sei o que ele terá feito a outos. Narro o que ele fez aos Indigentes
Os Indigentes, Francisco Lopes Vaz e Manuel Lopes Vaz, pai e filho, conhecidos pelo Pistola de Bolada, que era o meu avô e padrinho, e o meu pai, Manuel Lopes Vaz, Pistola de Vila Boa, foram-lhe entregues como prisioneiros, acusados por um crime de incêndio, que não cometeram, como adiante se verá, na história do Regedor.
O Russo da Tomada, massacrou-os para os obrigar a confessar um crime, que não fizeram.
Queria arrancar à força, a primeira confissão de incendiários, antes de os mandar para a cadeia.
Entraram ás oito horas da manhã e só à tarde foram levados para a cadeia da comarca.
A minha mãe ao meio-dia, levou um pote de caldo para o meu pai e o meu avô comerem. O famigerado juiz de paz, não os deixou comer o caldo.
Eu que acompanhei a minha mãe naquela diligência, quando vi o meu pai e o meu avô a chorar, a minha mãe aos gritos, comecei também a chorar.
A minha mãe, todos os dias à noite rezava o terço e pedia a Deus para que os presos fossem soltos. Clamava para Ele. Meu Deus! Soltai-os!
Pessoa muito temente a Deus, procurava daquela forma, encontrar alívio para o seu desespero. Filhos a passarem fome. Homem preso inocente.
Deixou de entrar em casa a jorna dos dias de trabalho. Foi uma grande desgraça, que nos aconteceu.
Aquele juiz de paz, era realmente um homem sem carácter. O meu pai, Manuel Lopes Vaz, o atrás citado “Pistola de Vila Boa” foi agredido à sacholada pelo "Tarneco" caseiro do lavrador, Soldado de Bolada e que o deixou ás portas da morte.
O juiz de paz, com perfeito conhecimento, de que o Indigente foi barbaramente agredido por uma fútil discussão, tomou o partido do agressor, e apresentou em tribunal uma pistola falsa, alegando que a mesma era pertença do meu pai, Manuel Lopes Vaz e que aquele a tinha apontado ao “Tarneco”, o que levou o agressor a agir em legitima defesa.
O agredido ficou em apuros.
Correu o risco de vir a ser condenado pelas falsas declarações do Russo da Tomada. O tal juiz de paz.
Valeram ao meu pai, três prestigiados lavradores, a quem aqui nestas memórias, presto a minha homenagem, aos senhores JOAQUIM dos POCINHOS, ANTÓNIO PEREIRA, todos do lugar de Vilaboa e o Sr. MANUEL PIMENTA DA CUNHA, do lugar de Bolada, que naquela altura era presidente de Junta de freguesia do Rêgo e padrinho de baptismo do meu pai, e pai do Abel Pimenta da Cunha que também foi presidente de Junta da Freguesia do Rêgo.