sábado, 28 de fevereiro de 2009

As autoridades daquela Época

Na Aldeia do Rêgo, 80% do povo era analfabeto. Os lavradores mandavam os filhos e filhas à lição. Os caseiros e os pobres, só punham na escola os rapazes e nem todos. E muitas vezes, apenas para aprender a ler e escrever.

Os meus pais deixaram-me fazer a 3ª classe, graças ao Inácio do Marialves, que me dava pão e a professora que, quando se apercebeu, que eu passava fome, passou a dar-me todos os dias o caldo e por vezes presigo, escondido dos outros alunos. Também cheguei a ver dar o caldo ás filhas do Rija.

Era uma professora muito humana. Em nada a beliscaram na sua dignidade, os bolos da palmatória e as vergastadas que deu aos alunos. Eu levei bastantes. Os poucos alunos que ainda estão vivos, podem testemunhar o seu passado. (Ver Post, Escola da Aldeia, quando publicar).

Como, na freguesia, só havia uma única escola e apenas com uma sala, primeiro, eram escritos os filhos e filhas dos lavradores e das pessoas importantes, ligadas ao regime, depois eram escritos os filhos dos caseiros e por ultimo, os filhos dos Indigentes, se houvesse lugar na sala em redor das carteiras.

As autoridades daquela Época

Autoridades Policiais e Judiciais da freguesia do Rêgo, regidas pela Constituição Política Portuguesa, votada directamente pelo Povo em 19 de Março de 1933 e entrou em vigor no dia 11 de Abril de 1933. Tendo sido alterada por várias Leis posteriores.

Autoridade Judicial-Juiz de Paz era uma entidade existente na freguesia, com funções de auxiliar dos serviços da justiça.

Nas sedes do concelho, a função de juiz de paz, era inerente ao cargo de conservador do registo civil; nos restantes julgados de paz, era inerente, ao cargo de professor, do sexo masculino, do ensino primário, da sede da respectiva freguesia.

Em qualquer dos casos, a função era exercida independentemente de nomeação, diploma ou posse.

Nas sedes do concelho ou de freguesia em que não havia professor do sexo masculino, o cargo de juiz de paz era exercido por pessoa idónea, incluindo qualquer funcionário publico ou administrativo, era livremente nomeado e exonerado pelo ministro da justiça, sob proposta do juiz de direito.

Aos juízes de paz competia:

Praticar, por delegação de juiz de direito, ou do juiz municipal da respectiva comarca ou julgado, os actos seguintes:

Deferir o juramento a louvados, tutores, curadores, vogais do conselho de família e cabeça-de-casal; tal delegação era obrigatória quando a sede do Julgado estivesse a mais de 15 quilómetros da sede da comarca.

2º Fazer cumprir os mandados e as cartas, ofícios e telegramas para citação, notificação e afixação de editais;

Tomar conhecimento dos crimes ou infracções cometidas na área dos respectivos julgados, mandando lavrar auto de notícia;

4º Prender os delinquentes em flagrante delito ou quando fosse admissível a prisão sem culpa formada ou ainda por ordem do juiz, delegado ou autoridade competente;

5º Exercer as demais atribuições que lhes sejam conferidas por ele.

Os juízes de paz, podiam praticar os actos judiciais nos edifícios escolares das sedes dos seus cargos, mas a horas que não colidissem com as de professor.

UM JUIZ DE PAZ INDECENTE

O juiz de paz da freguesia do Rêgo, era o Russo da Tomada. Aquele verdugo, sentia prazer em prender ou mandar prender os Indigentes. Era conhecido como administrador e não como juiz de paz.

Quando o Cabo de ordens mandava alguém apresentar-se ao administrador, as pessoas ficavam trespassadas de medo.

Não eram só os Indigentes que se queixavam, caseiros e lavradores, sempre que se falava no “Russo da Tomada” A palavra que se ouvia era. O russo da tomada é um grande tratante.

Era um serventuário do regime fascista, que ultrapassava as funções que lhes tinham sido atribuídas.

Não sei o que ele terá feito a outos. Narro o que ele fez aos Indigentes "Pistolas” de Vila Boa e Bolada.

Os Indigentes, Francisco Lopes Vaz e Manuel Lopes Vaz, pai e filho, conhecidos pelo Pistola de Bolada, que era o meu avô e padrinho, e o meu pai, Manuel Lopes Vaz,  Pistola de Vila Boa, foram-lhe entregues como prisioneiros, acusados por um crime de incêndio, que não cometeram, como adiante se verá, na história do Regedor.

O Russo da Tomada, massacrou-os para os obrigar a confessar um crime, que não fizeram.

Queria arrancar à força, a primeira confissão de incendiários, antes de os mandar para a cadeia.

Entraram ás oito horas da manhã e só à tarde foram levados para a cadeia da comarca.

A minha mãe ao meio-dia, levou um pote de caldo para o meu pai e o meu avô comerem. O famigerado juiz de paz, não os deixou comer o caldo.

Eu que acompanhei a minha mãe naquela diligência, quando vi o meu pai e o meu avô a chorar, a minha mãe aos gritos, comecei também a chorar.

A minha mãe, todos os dias à noite rezava o terço e pedia a Deus para que os presos fossem soltos. Clamava para Ele. Meu Deus! Soltai-os!

Pessoa muito temente a Deus, procurava daquela forma, encontrar alívio para o seu desespero. Filhos a passarem fome. Homem preso inocente. 

Deixou de entrar em casa a jorna dos dias de trabalho. Foi uma grande desgraça, que nos aconteceu.

Aquele juiz de paz, era realmente um homem sem carácter. O meu pai, Manuel Lopes Vaz, o atrás citado “Pistola de Vila Boa” foi agredido à sacholada pelo "Tarneco" caseiro do lavrador, Soldado de Bolada e que o deixou ás portas da morte.

O juiz de paz, com perfeito conhecimento, de que o Indigente foi barbaramente agredido por uma fútil discussão, tomou o partido do agressor, e apresentou em tribunal uma pistola falsa, alegando que a mesma era pertença do meu pai, Manuel Lopes Vaz e que aquele a tinha apontado ao “Tarneco”, o que levou o agressor a agir em legitima defesa.

O agredido ficou em apuros.

Correu o risco de vir a ser condenado pelas falsas declarações do Russo da Tomada. O tal juiz de paz.

Valeram ao meu pai, três prestigiados lavradores, a quem aqui nestas memórias, presto a minha homenagem, aos senhores JOAQUIM dos POCINHOS, ANTÓNIO PEREIRA, todos do lugar de Vilaboa e o Sr. MANUEL PIMENTA DA CUNHA, do lugar de Bolada, que naquela altura era presidente de Junta de freguesia do Rêgo e padrinho de baptismo do meu pai, e pai do Abel Pimenta da Cunha que também foi presidente de Junta da Freguesia do Rêgo.

Ambrósio Lopes Vaz

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Trabalho Comunitário

Migração e trabalho Comunitário.

Os jornaleiros iam trabalhar para o Porto e Aveiro
, em trabalho sanzonal
 onde tinham garantia das jornas de Maio a Setembro. 

Os criados de servir, também migravam para essas localidades. Onde eram ajustados ao mês com salário, que era muito maior, que na aldeia. 
De criados de servir, passavam para operários e por lá ficavam, como o meu caso...

Também havia migração para o Douro no tempo  das vindimas, apenas para trabalhos sanzonais. 

Mesmo, sabendo que iam sujeitar-se a trabalhos de grande esforço, o povo aproveitava todas as oportunidades, onde pudessem ganhar umas croas para sustentar a familia e pagar algumas dividas, que deviam na venda e atenuar a miséria em que viviam. 

                                                   Com a devida vénia do Autor.






        Esta foto, é referente á casa de lavoura do Ferreira de Bolada, onde o meu pai trabalhava de jornaleiro, dois dias por semana durante o inverno.

Trabalho Comunitário

Os lavradores e caseiros, agrupavam-se para fazerem as grandes veçadas, cegas de centeio, roçadas de mato,
espadadas de linho, esfolhadas e malhadas de cereais e até sachas. Cada um levava os seus criados, gados, apeirias e alfaias

Trabalhavam em comunidade para não pagarem a jornaleiros, só os chamavam em ultima necessidade e para fazerem os trabalhos mais pesados. Viviam das colheitas dos campos e dos gados que vendiam.

 Alguns jornaleiros tinham que andar a lamber as botas aos grandes senhores, para serem eles os preferidos, porque a oferta de jornaleiros era enorme. 

A única industria que havia, na freguesia do Rego, era a serração do Casemirinho da Venda. O povo vivia miseravelmente.

Nos meses de inverno, os jornaleiros pareciam cães esfomeados dentro da casota. Os pequenos lavradores e caseiros, não chamavam os jornaleiros, porque muitas vezes não tinham dinheiro para lhes pagar as jornas. 
 
Não conseguiam vender o produto das terras, o feijão, milho, batatas, centeio, relva e painço e até a linhaça, eram vendidos directamente ao negociante, quando ele aparecia para os comprar. 

                                                            Com a devida vénia do Autor.

A venda dos bezerros, potros, mulas, muitas vezes, era reservado para os dotes de casamento, compra de mais vacas, por vezes mais uma sorte, e também o cordão, as pelicanas e a corrente com medalha.
 
As despesas da manutenção das terras, casas, criados, jornaleiros, décima, doenças e vestimenta, eram pagas com a venda do gado miúdo, bacorinhos, cabritos, anhos, frangos, perus e coelhos. 
                                                                Com a devida vénia do autor

 As galinhas, pitos, perus e coelhos, eram vendidos nas feiras, de Fafe, Carvalho, Lameira e por vezes Fermil. As feiras de Fafe, Fermil e Carvalho, ficavam a muitas léguas de distância. A feira mais preferida era Fafe, onde tudo se vendia e tudo se comprava

Mas, para qualquer feira que fosse, a criada acompanhada da patroa, levava uma saca de dois alqueires á cabeça, que podia ser, feijão, centeio, batata ou milho e uma cesta no braço, com bicharia, coelhos. galinhas, etc... 

 A ama, levava uma saca de burel, com taleigos dentro, de linhaça, painço e relva. 
A manteiga e nata, iam numas malguinhas dentro dum cestinho. 

 Na aldeia ninguém comprava nada. Os pobres que tanto precisavam daqueles produtos, não tinham dinheiro para os comprar. 

Quando, surgia alguma calamidade, em anos fracos de produção, até os caseiros tinham mingua. Não existiam nenhumas ajudas do governo.

 Cada vez, havia mais Indigentes, viviam em pequenas choças, com ranchadas de filhos, a viverem numa única divisão, sem retrete, como o caso dos meus pais, dez irmãos a defecarem dentro de casa e á porta de casa, quando eramos crianças, quando começamos andar, fazíamos as necessidades, no meio da horta, igual aos nossos pais.





   Esta retrete, era a que existia na casa dos meus pais, e só foi feita na horta, muitos anos depois do nosso nascimento.
         


                               A parte detrás da casa dos meus pais. onde nascemos e fomos criados

Uma pequena divisão, que fazia de cozinha e sala.Tinhamos pegado uma pequena horta, mas as couves para fazer o caldo,desapareciam rápido, não chegavam para nada. 
Só nos restava uma saída, pedir esmola, nos lugares da freguesia e freguesias vizinhas. 
Não éramos só nós. Assim acontecia a todas as crianças pobres, que viviam nas mesmas condições.

                                                            Com a devida vénia do autor

Vivíamos numa perfeita enxovia e escravidão. Sem pão, sem roupa. A que vestiamos era remendada.

                                                                        Com a devida vénia do Autor

Com a devida vénia do Autor


Com a devida vénia do Autor



Com a devida vénia do Autor.


Com a devida vénia do Autor

Com a devida vénia do autor

Não tínhamos lenha para acender o lume, para cozinhar o caldo, e  para nos aquecermos no inverno. Todos os lavradores tinham moutas. Não faltava lenha, mas os donos andavam sempre a vigiar as coutadas e se fosse visto, alguém a retirar lenha, tiravam-lhe a lenha e agrediam as pessoas e por vezes, faziam queixa ao Regedor, para ele prender as pessoas.

Foi o que aconteceu á minha mãe, esposa de "Manuel Pistola," estava de parto do meu irmão Manuel, que tinha nascido á quinze dias, ela não tinha lenha para acender o lume, para secar os panos do menino.

Foi á mouta do senhor António do Nunes e cortou três galhas num carvalho. Quando vinha para casa, ao passar junto aos campos do citado senhor António Nunes, ele tirou-lhe a lenha e deu-lhe tres pancadas nas costas, com o cabo da enxada, que trazia ao ombro.Eram tempos de extrema miséria.Tempo da Ditadura fascista.


Foto, da parte detrás da casa dos meus pais, esta é a unica porta da entrada do casebre, onde nascemos e fomos criados e  já foi tirada depois do VINTE CINCO DE ABRIL, 








                                 A minha esposa com o nosso saudoso filho António                                                           Manel a porta da entrada da casa dos meus pais.



A maioria dos lavradores e caseiros, residentes naquela altura, no lugar de Vila Boa, eram humanos. Quando pressentiam, que havia doença grave na casa dos pobres, mortes, prisões, incêndios, eles apareciam a prestar ajuda ás famílias. Não davam dinheiro, mas davam bens essenciais para ajudar a atenuar aquelas desgraças. 

A sua presença dentro da casa dum indigente, representava muito. Foram muitos aqueles, que nos prestaram solidariedade. Mesmo nas famílias, que não gostavam dos indigentes, existia um filho, que escondido dos seus pais, dava pão ao filho dos Indigentes e até dinheiroO Inacinho do Marialves, meu companheiro de escola, todos os dias me dava um pedaço de broa. Estudávamos no alprende em frente da casa, ele sabia que passávamos fome, quando o pai lhe dava uma coroa ou duas, dávamos e dizia para eu ir á venda, comprar comida para os meus irmãos

Um dia deu-me três croas, o pai descobriu, deu-lhe uma grande coça e levou-me á presença do Inacinho e agrediu-me. Proibiu o filho de falar comigo ou acompanhar-me. 
Fiquei triste por perder aquele amigo

Nunca mais o esqueci. Sempre que ia á aldeia, perguntava á minha mãe, se tinha noticias do Inácio do Marialves. Ela disse-me que ele seguiu a tropa e que casou com uma professora. 

Passados 55 anos, o Inacinho deu á minha mãe, uma garrafa de aguardente, para ela entregar ao amigo Ambrósio. Obrigado Inácio por continuares meu Amigo.

Costumes usados naquela época- Moinhos

Os lavradores tinham um moinho comunitário. Cada um moía no seu dia. Também havia quem tinha moinho próprio, só para si, e quem tinha moinho próprio e moía para a comunidade por maquia, distribuía as farinhas aos fregueses porta a porta, transportadas por mulas ou jumentos, como o moleiro Cristiano Cunha e outros.








                                                          
     Foto do interior moinho.              Com a devida vénia do Autor.                                                                                                           


                                              Com a devida vénia do Autor.



                                                                        Com a devida vénia do Autor.

                      

                                                                     Com a devida vénia do Autor.


                                                        Com a devida vénia do Autor.




                                           Moinhos de Vilaboa já sãó visitados por turistas



Àguas de consortes

Poças de consortes. Cada consorte, tinha os seus dias ou horas de água, A água tinha hora certa para as tornas. O relógio usado, era o relógio de Sol, porque poucos tinham relógio. Quando não havia Sol, era mais complicado, tinham que pedir um relógio emprestado, a quem o possuía, para ir tapar e abrir, as poças á hora certa. O rego de agua de consortes, da poça das lebandeiras,passava junto á nossa casa e era a maioria, da água que usávamos, para cozinhar, para nos lavarmos, etc... quando ela passava a nossa porta.O toque do sino, também fazia de relógio para as tornas.






Este uso de tapar e abrir a poça, praticamente só funcionava nos meses de verão, para a rega de milhos, batatas e linhos. Nos meses de inverno, as poças de consortes, abriam-se e tapavam-se por elas próprias, por meio dum engenho de pedra feito pelos pedreiros.

Também era de consortes o poço da fonte abastecia o povo de Vilaboa.






As águas das poças das latas  e da poça das lebandeiras, e de poço da fonte, de inverno,destinavam-se a limar,(a) as ervas dos campos de fenos e lameiros, e funcionava a regra do torna torna, que consistia em cada um, tapar os pilheiros do rego dos outros campos e abrir pilheiros para os seus. Poças de consortes que eu conheci, poça das latas, poça das lebandeiras, poço da fonte, poço da fontalta e poço dos pocinhos, este poço ficava mesmo dentro do quinteiro da casa dos pocinhos. 
 É possível que o poço da fontalta também fosse de consortes. Não sei...  

Também existia a água da levada de consortes, que saía do rio e vinha regar os campos de Vila- Boa, do Cunha, Russo, Marialves, Catanas, Catalão e muitos outros. Como esta água não estava aprisionada, podia-se regar a qualquer hora, pelo que, muitas vezes, os campos eram regados de noite á luz da Lua. As maiores zaragatas e demandas, tinham origem nas águas de consortes. Houveram muitas sacholadas e até mortes.

Algumas medidas que usavam na venda das produções.

Medidas de secos, Carro, (correspondia a 40 alqueires ou rasas) rasa, meia rasa, quarto, meio quarto e quartinho e maquia, e razão. Medidas de peso (b, quintal, arroba. Arrátel, meio arrátel e outras. Medidas de líquidos, pipa, meia pipa, pipo, almude, cântaro, canada, meia canada, quartilho, meio quartilho e quarteirão. 

Valores usados na compra de artigos, uma libra, um milrei, uma croua, um quartinho, um cruzado, sete e meio, o vintém e o real. 

Matança do porco e o presente levado a casa dos pobres.

As casas abastadas matavam três porcos, nas outras matavam dois e os caseiros um. Os pobres quando ouviam os porcos a berrar, punham-se a escutar donde vinha o barulho. 



Naqueles lugares pacatos, onde só se ouviam os pardejos e o berro dos gados, durante o dia, e no verão, os choupilos e raros de noite. 
Aquele berro, da morte dos porcos, era diferente de todos os outros. Alegrava os pobres.
Iam receber o presente tão ansiado. 

 O mês de Janeiro era o fim para os suínos. Mas também se matavam porcos em Fevereiro. Quando as casas eram muito juntas, os pobres não distinguiam qual foi o lavrador que fez a matança, mas depressa se desfazia a dúvida, quando se viam os fentos arder e a chamuscar os porcos nas eiras. 

Todos os lavradores e caseiros do lugar de Vila- Boa, nos davam o presente, com excepção do Russo da Tomada e o Marialves. Mandavam as filhas ou filhos levar dentro duma malga ou prato, um bocado de carne, um bocado de sangue e ás vezes um sibinho de redenho. A minha mãe, metia dentro da malga ou prato, dois tostões.

Também a Senhora Emilinha Ferreira, do lugar de Quintela, quando matava os porcos, guardava o presente para os meus pais e quando eu ia lá, pedir a esmola, ela dava o presente junto com a esmola.
Era a mãe dos pobres.

a) as palavras que prenuncio, são exatamente as usadas pelo povo, naquela época.
b) Algumas medidas de peso eram feitas de calhaus, a pesar dois kilos, um Kilo, meio kilo, depois de ter aquele peso certo, eram metidas nuns saquinhos de pano com uma presilha para engatar na balança romana, que as farrapeiras traziam dentro dos seus açafates quando andavam de porta em porta a comprar o pano como o caso de Josefa Pires, que morava no lugar de Bolada, minha avó paterna.

Ambrósio Lopes Vaz

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Memórias da Freguesia do Rêgo - Celorico de Basto

A origem do blog "Memórias da Freguesia do Rego- Celorico de Basto"

  Ambrósio e Manuel. A última vez que estivemos, dentro da casa dos nossos pais 

O Jovem Dinis Teixeira Lopes de Carvalho, viu na Net, comentários de Ambrósio Lopes Vaz, referentes á freguesia do Rêgo, e pediu-me para escrever, todas as histórias reais, que fossem do meu conhecimento, que se passaram na freguesia  do  Rêgo, antes da década de setenta. 

Costumes, desavenças, autoridades policiais, profissões, personalidades, lançamento das bombas na residência paroquial, e outras vivências.

Fiquei contente, por encontrar um jovem estudante a iniciar a licenciatura de Engenheiro de Zootécnica, a interessar-se pelo passado da sua aldeia.

Não é fácil narrar as memórias que vivi, e que ainda me lembro, sem ferir a sensibilidade de algumas famílias, incluindo a minha familia. Nem serei eu, Ambrósio Lopes Vaz, a pessoa mais indicada, até porque, sou filho duma família de Indigentes. ”O pistola de Vila Boa” Manuel Lopes Vaz e Albertina Alves Teixeira e os meus principais estudos, são a Escola da Vida.



                Atestado passado pela Junta de Freguesia do Rego, em 4/9/1954,comprovando a nossa familia como indigentes, passado e assinado, pelo Presidente de Junta de Freguesia daquela época, Senhor Casimiro Alves de Araújo, devidamente assinado e selado com o selo branco daquela Junta de Freguesia do Rego.
                    
Aldeia de São Bartolomeu do Rêgo

Uma aldeia arcaica, encravada entre os montes, Lameira, Montim, Lamas e Viso. No meu tempo de rapaz, tinha 16 lugares, Alijó, Argontim, Arbonça, Bolada, Costinha, Lameira, Lobão, Pedroso, Ponte, Perraço, Pousada (África), Quintela, Reboredo, Rêgo, Seixosas e Vilaboa. Alguns lugares eram muito dispersos e nalguns lugares, só existiam duas casas. 

Conhecia todas as casas, caminhos, Quelhas, canelhas e carreiros, porque,quando ia pedir esmola, percorria aqueles caminhos e carreiros, até chegar ás casas,para bater nas portas e pedir esmola. 
Era o fadário dos filhos dos IndigentesAlém de pedir esmola na nossa freguesia, também pedíamos esmola, na freguesia de Borba.

Não existia nenhuma estrada nos 14 lugares. Só o lugar da Lameira é que era cortado a meio pela estrada Nacional nº206 e por isso era o lugar de depósito de todas as mercadorias transportadas por camionetas, que se destinassem á freguesia do Rêgo

A Lameira só tinha comunicação com os 14 lugares, por caminhos, Quelhas, canelhas e carreiros, que eram os acessos aos lugarejos naquela época. Só era possível o transporte de mercadorias, por carros de bois, carroças ou carrijões.

Depois, fizeram o primeiro estradão que ligou a Lameira a Pedroso, mas, só foi possível a ligação até á igreja, quando no rio, fizeram a ponte em pedra, porque antes era em madeira. O Estradão era muito estreito, mas com jeitinho e pericia dos condutores, as camionetas já conseguiam ir até ao Zédalem e dar a volta. 
A ligação da Lameira ao centro da freguesia, foi um grande melhoramento naquela epoca.

A antiga ponte era de madeira e muito estreita, só passavam carros de bois e carroças. Durante a construção da ponte, foi um grande transtorno, para os lavradores e para todos aqueles que vinham trazer ou carregar mercadorias, para os restantes lugares da freguesia.

                                        Com a devida vénia do Autor

  Durante a contrução da actual ponte, a ligação para os outros lugares,era feita pelo meio do rio, por carros de bois  e carroças, entravam no rio junto a ponte e saiam numa rampa de pedra, situada, entre a leira do Rija e a leira do Sr. Zé Tendeiro e entravam no caminho do Reboredo.Cheguei atravessar o rio no carro de bois, junto com outras  crianças. O estradão, só passados muitos anos, é que foi alargado e passou a ser estrada.

A aldeia do Rêgo, mantinha a tradição da idade média, costumes, higiene, etc., Vivia exclusivamente da agricultura. pastoreio,  criação de gado barrosão, ovino, caprino, galinácio,etc. 
 
                                                                    Com a devida vénia do Autor.

 
                                                                                                                                                                      
                                                      Com a devida vénia do Autor.

                                           Com a devida vénia do Autor.

                                                                      Com devida vénia do Autor.

                                           Com a devida vénia do Autor

Era composta por lavradores, caseiros, criados/as e Jornaleiros/as. 

                                        Com a devida vénia dos Autores

As casas abastadas, ainda tinham resquícios senhoriais, viviam uma vida regalada. O patrão arrendava as terras aos caseiros, e por vezes deslocavam-se para centros urbanos onde tinha mansões e lazeres, e deixava um feitor, com todos os poderes de patrão, para reger os seus negócios. 

Muitas das vezes os caseiros, preferiam os patrões, que os feitoreres.
Na freguesia, só conheci um caso, que narrarei quando falar do Padre José Gomes.

Os lavradores, arrendavam as terras com casa própria para os caseiros, e a maioria eram umas perfeitas enxovias. Algumas ainda existem.(ver) O Maioto, caseiro do Marialves.

Os pequenos lavradores e caseiros, viviam no meio do esterco. Tinham junto á porta da cozinha e salas de dormir, grandes rimas de estrume, que iam aumentando com folha, mato, chasquilho e varreduras da casa, e todos os dias despejavam ali as águas sujas das lavagens e até o penico. 

Aquele esterco era curtido lentamente e reservado para os alfobres de sementeira de couves, cebolo, tomates e salada.

Na maioria dos casos, as salas de dormir e cozinhas, estavam assentes por cima das cortes do gado, porcos, vacas, gado cavalar, e ovelhas, e rodeadas dum quinteiro, onde os animais faziam daquele sitio arena e aliviavam a tripa. 
Tudo em perfeita família.
                                        Com a devida vénia do Autor. A sala onde se dormia.




                                                                 Com a devida vénia do autor




                                                             Com a devida vénia do Autor.





                                                                  Com a devida vénia do Autor.
                                                               Com a devida vénia do Autor
 




As latrinas eram um cubículo em madeira, com um buraco redondo no meio, tapado com uma tampa de madeira. 
As fezes e urinas,normalmente caíam a céu aberto junto á horta


                         
                                                                           Com a devida vénia do autor.
            
                                         A porta de entrada da casa dos meus pais. 



                                                      

Esta retrete, era a que existia na casa dos meus pais, e só foi feita na horta, muitos anos depois do nosso nascimento,.



 
        A parte da frente da casa dos meus pais, onde nasceram e foram criados os dez filhos.
 

A maioria dos criados de servir e jornaleiros, era oriunda de familias de indigentes. 
É curioso que o Salazar, escondia a profissão, desta vasta gama de criados de servir.
Nos documentos oficiais, promovi-os ao escalão seguinte, Jornaleiros, quando eles mudavam o seu estado civil de solteiros para casados, embora continuassem a trabalhar nos amos,como criados. 

 Assim aconteceu aos meus pais. Quando casaram eram criados de servir,mas no registo de casamento, tinha de constar que eram jornaleiros.Porém, depois de casados continuaram a servir nos mesmos amos, o meu pai continuou a servir no seu patrão Pimenta de Bolada e a minha mãe, na Senhora Rosinha do Catalão, á noite vinham dormir a sua casa. 

Ajustamento dos criados de servir e Jornaleiros.

Os criados de servir eram justos ao ano por uma soldada, usos, cama, mesa e roupa lavada, e açafate de consoada pelo Natal. A soldada era paga em dinheiro no fim do ano. 

Os usos eram dados durante o ano. No primeiro ano, as crianças dos cinco aos nove anos, não recebiam Soldada, só tinham direito á mantença, Usos, cama e roupa lavada.
O serviço daqueles menores, destinava-se a pegureiro, e chamar as vacas nas vessadas. Assim, os amos, evitavam que aquele serviço, fosse feito por adultos.

Os usos, que os amos tinham que dar aos criados, variavam conforme a idade e o trabalho prestado. No primeiro ano, davam uma camisa de tomentos, umas calças de cotim, uma correia, uma gorra, uns socos encobertados e a consoada pelo Natal, que constava de um pequeno bacalhau, um carto de batatas, um cabo de cebolas e meia broa de pão.

Com mais anos, os usos, variavam, a camisa podia ser de estopa ou de linho, os socos eram novos, os criados de maior idade, a camisa era mesmo de fino bragal, davam um chapéu e um jaleque. A consoada também aumentava, bacalhau maior, meio alqueire de batatas, uma broa de pão e um quilo de arroz. 

Andei a servir em várias casas, na casa da laranjeira, lugar de Casadela, Fafe, na casa dos lopes, do lugar de soutelo, Ribas, Celorico de Basto, casa do Albino Alves, lugar da Lameira, Rego- Celorico de Basto e casa das carreiras, Jugueiros, Felgueiras. A mais longe, era a casa das Carreiras, na freguesia de Jugueiros, concelho de Felgueiras, onde servi eu, e a minha irmã Maria. Pelo Natal, o Pai ia-nos esperar e ajudava a trazer os açafates da consoada

Demorávamos meio-dia a chegar a Vila Boa, apesar de virmos sempre pelos carreiros dos montes, caminho mais directo. Durante o trajecto revezávamos uns aos outros, no carrego dos açafates.

Quando chegávamos a casa era uma alegria. No dia de Natal, da parte de tarde, despedíamos uns dos outros e dos pais. Era choro por todo o lado, choravam, pais e filhos. Tínhamos de voltar á casa dos amosEra aquele o nosso destino.

Quem ajustava e recebia, as soldadas dos menores, eram os pais e recebiam a paga no fim do ano.

Os jornaleiros
ganhavam por dia 15 tostões, as mulheres dez tostões e levavam os filhos para o campo, punham-nos junto a uma borda do campo.
               
com a devida vénia dos Autores.
                                   
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 Quando lhes iam dar a mama, eles estavam todos borrados e a meter a merda na boca, foi assim que a minha mãe me encontrou muitas vezes e como não tinha vestido para me mudar, deixava-me em coiro, junto á borda do campo, coberto com o seu lenço da cabeça. Contou-me esta cena a chorar.

Ambrósio Lopes Vaz

  Caros amigos, amigas e seguidores do blog “Memórias da freguesia do Rego- Celorico de Basto”, comunico a todos que as “Memórias da fregues...