A sementeira do milho, na Aldeia do Rêgo
O processo da cultura do milho era arcaico.
Quando o pão chegava à mesa,
deixava atrás de si, um ror de trabalhos, canseiras, suores e despesas.
As
lavouras eram as que causavam maiores “dores de cabeça” aos lavradores e
caseiros.
. Vou descrever o cultivo do milho, até se transformar em pão, porque foi
um costume que se perdeu no tempo e que deve perdurar para que não se apague a memória.
Primeiro, arrancava-se o esterco das
cortes e era levado aos cestos para o carro de bois,
devidamente apeirado com as caniças, depois de cheio seguia o caminho dos
campos,
veiga, prado, currais, penouta, mangarela, arregontim, devesas, reboredo,
macieiras, seixosas, etc... , conforme o campo que lhe era destinado.
Os caminhos eram dolorosos, nalguns sítios eram precisas, duas juntas de
vacas para puxarem os carros, quando estavam carregados.
Havia quelhas que o condutor do carro não conseguia ir á soga das vacas,
pois em certos sítios empossavam grande altura de água, lama e pedras como acontecia nos caminhos para os campos das veigas e mangarela.
O
lavrador ia por um carreiro por cima dos campos e
daí conduzia as vacas com a aguilhada, até chegar a caminho enxuto para
retomar o comando pela soga.
No campo, o estrume era descarregado aos
montes, distanciados uns dos outros e em carreiras, em que as
distâncias eram medidas a passo.
De seguida o esterco era estendido na terra, usando o
engaço de dentes de ferro e a forquilha.
Era um trabalho muito ruim, porque o esterco vinha às postas e não se
desligava, tinha que se desfazer e estendê-lo até ao extremo da carreira.
Este
serviço rebentava com os braços às pessoas, normalmente era destinado aos
jornaleiros e criados, quando existiam.
Depois de espalhar o estrume,
fazia-se o cadabulho junto às bordas, em redor do campo que se ia lavrar.
Com a devida vénia do autor.
Cavava-se a terra em todos os cantos do campo e abria-se o primeiro rego,
para o arado e o gado poderem começar a lavoura.
Apeiravam-se pelo menos duas juntas de vacas, (nos campos grandes três) com
os jugos, compostos de arcos, varetas, latos, tamoeiro e
cambão para fazer o engate no primitivo arado, que só lavrava, segurado e
guiado, por um homem. Ainda não existia charrua na Aldeia do Rego, só existia o arado premitivo, o que levava o dobro de tempo a lavrar. Com a devida vénia do Autor
Este campo, confrontava com o novo estradão, que ligava o lugar da Lameira até ao Zé D/Além.
Com a devida vénia do Autor.
Começava a lavoura,
era um trabalho muito cansativo, para quem chamava as vacas no rego, para o homem do arado e até para
as vacas.
Com a devida vénia do Autor.
Conforme o arado ia virando a terra, a ceita (a) era picada à
sachola, por várias pessoas que se encontravam distribuídas pelo terreno onde
caía a ceita.
Este processo de cortar a ceita e deixa-la
aos torrões, só era usado nas sementeiras de milho, semeado a lanço, pelo homem , porque nas sementeiras, onde o milho era semiado pela maquina, era com a grade que se preparava o terreno para a sementeira.
Nas
freguesias rurais da cidade do Porto, e Vila de Matosinhos, onde
trabalhei, as alfaias eram modernas. Havia charrua, semeador e sachador, não era
preciso picar a leiva.
Usavam a grade para fazer aquele trabalho.
Havia
máquinas para tudo. Mas, ainda não havia tractores e as debulhadeiras
trabalhavam movidas por motores a petróleo.
Depois de lavrado a terra e
picada toda a ceita, o lavrador distribuía vários sacos de semente pelo
terreno, dali enchia a cesta, e lançava as sementes à terra.
Nos campos
grandes, chegavam , andar dois e três semeadores a semear a lanço.
Quando estava
tudo semeado, o terreno era todo gradado, com a grade virada com os
dentes para a terra, para desfazer os torrões e cobrir o milho, essa manobra era
feita mais de que uma vez.
Quando estivesse tudo desfeito,
a grade era virada de dentes para cima
e corria o campo todo, até a terra ficar toda plana.
Nas terras mais húmidas era
colocada uma grande pedra para fazer peso e assim a terra ficar mais assapada.
Feita a sementeira do milho nos campos de regadio, eram abertas tornas,
separadas por regos, para as futuras regas. Nos campos sequeiros não abriam tornas.A rega era do "Céu"
Durante os trabalhos da lavoura, se
o campo era longe de casa, o jantar era servido no campo.
A patroa e a
criada levavam o jantar ao campo, em grandes cestos, com potes e almofias próprias para transportes da comida,
grandes cabaças de vinho, louças e toalhas.
Todos bebiam pela mesma malga
ou infusa.
Por vezes, improvisava-se uma mesa, que era o carro de bois, as
pessoas acomodavam-se como podiam, uns comiam sentados nas bordas, outros
arranjavam umas pedras para fazerem de banco.
.O que interessava era encher o bandulho.
Aquele presigo era convidativo, um tipo de
cozido à portuguesa, acompanhado por broa e vinho.
Tudo muito bem cozinhado.
Depois,
uma tigela de caldo que exalava um cheirinho agradável, misturado com o cheiro do estrume; das ervas e de variadas árvores que rodeavam o campo,
completava um jantar inesquecível. Quando ia chamar as vacas nas lavoiras, tirava a minha barriga de misérias.
Durante o jantar, o gado era preso a árvores e também comia ali
o seu penso, que era uma erva fresquinha do lameiro ou o azevém misturado
com erva ferrã, e como sobremesa, uma gabela de feno ou molhos de palha milha.
A
meio da tarde, a dona da casa aparecia no campo com a merenda para toda a gente.
Trazia um grande açafate à cabeça e ainda uma cesta na mão.
Era servido arroz,
postas de bacalhau frito, polvilhado com açúcar, broa e vinho à descrição.
O dia da vessada era um dia especial.
A comida era
feita a rigor com todos os condimentos daquela época.
De regresso para a ceia,
as mulheres, as moçoilas e até os homens, cantavam em uníssono,
as canções da igreja: o Avé, a Miraculosa e outras
canções da época.
Os seus cânticos entoavam pelos caminhos e ouviam-se á
distância.
Ao chegar ao povoado, o povo abria os janelos, para ver passar aquela improvisada "tuna".
Quando o milho começava a nascer, era altura de completar a sementeira,
nos bocados que estavam em branco. semeavam o feijão e os calondros.
Semeavam feijão moleiro, branco manteigueiro, canarinho, ou mistura e, por
vezes, o chamado feijão de sete semanas.
Aquele trabalho era feito pelas
mulheres mais idosas e muito pobres, faziam aquele trabalho para ganhar a malga de caldo..., munidas por um grande chuço de madeira, aguçado na ponta,
tiravam o feijão da abada e as pevides da algibeira, e deixavam-no cair
onde queriam que a semente nascesse.
Faziam um buraco e empurravam as sementes
para o buraco e tapavam os buracos com terra, empurrada com o chuço. Como o feijão era caro, só era
semeado o necessário.
Eram feitas três mondas.
A primeira era feita antes da primeira sacha, chamada decrua, que
consistia em retirar as ervas e a terra da beira da raiz do milho
e deixar a raiz ao sol.
A segunda monda era feita antes da segunda sacha,
chamada arrendar.
Nesta sacha, arrancam-se as ervas e aconchega-se a
terra à raiz do milho.
A última monda, consistia em retirar os milheiros
machos que não dão espiga, e outros que estavam a prejudicar a boa maturação.
Depois da segunda sacha, o milho de regadio começava a receber as
primeiras regas. O outro milho, só recebia as regas do céu.
Quando a
barba das espigas ficava preta, cortavam-se as crochas ou o pendão. Em fins de
Agosto colhia-se o milho das terras secas.
No fim de setembro
cortava-se o milho dos prados e o das veigas.
Ás vezes, o milho só era
cortado, em meados de Outubro, conforme o ano corresse mais
seco ou chuvoso.
Depois era carregado e levado para o desfolhadouro, que
podia ser junto à eira ou no próprio campo.
As melhores espigas eram apartadas para a semente das próximas
sementeiras.
Ali faziam-se as desfolhadas, quase sempre à noite, onde apareciam os
rapazes solteiros para falarem ás moças.
A faladura era feita à distância,
com um funil na boca, para disfarçar a voz e não serem reconhecidos.
Apareciam embrulhados num
lençol, ou outros disfarces, e cara tapada.
Os moços que falavam ao
serão, também se chamavam tunantes.
Quando se desfolhava uma espiga de
milho rei, havia direito a beijos e abraços.
A palha era atada aos molhos
e posta em medas, junto aos campos da casa e as espigas eram colocadas nos espigueiros, alpendres
ou eiras.
Com a devida vénia do Autor.
Secas as espigas do milho, procedia-se à malha que,
normalmente, era feita dentro do alpendre.
Neste alpendre junto a eira, ao lado do espigueiro, da casa de lavoura do Sr. Manuel e Rosinha do Catalão, assisti a diversas malhas de vários ceriais, dentro do alpendre e na eira,a Sra. Rosinha do Catalão também escrivava milho a mão, junto ao rego de água.
Seis ou oito malhos, divididos
a meio, de frente uns, para os outros, malhavam alternadamente.
Quando uns malham nas espigas, os outros estavam no ar, e assim
sucessivamente.
Faziam um barulho característico quando malhavam certos.
Acabada
a malha, com engaços de dentes de pau, separaram-se os carolos do milho
e, de seguida, escriba-se (b) o milho num escribador de madeira, que era
movido por uma roldana, manobrada manualmente por uma pessoa.
Este engenho era
munido de vários crivos. (b) - Na aldeia, as pessoas trocavam o "v" pelo "b".
Só os grandes lavradores, tinham escribador. Os pequenos lavradores e caseiros, pediam o empréstimo do escribador,aos lavradores abastados.
Nalgumas casas, o milho era todo escribado á
mão. Este trabalho era feito por várias mulheres, só quando havia corrente de
vento, para ajudar a expulsar a munha. Este costume também desapareceu.
Hoje é tudo feito com a debulhadeira, que debulha e escriba o milho.Houve grande evolução. Desapareceram os processos antigos.
Seguia-se a secagem do milho, que era feita na eira e por vezes, sobre um grande tolde, que era colocado em toda a área da eira.
Durante vários dias, de hora a hora, o milho era mexido com os pés, ou com um engaço de dentes de pau. para
secar todo ao mesmo tempo. De noite ou quando chovia era guardado dentro do
alpendre.
Depois de seco, era medido e metido na tulha. No caso dos caseiros,
entregavam duas partes ao senhorio e ficavam com uma parte. Na cidade do Porto e Vila de Matosinhos onde trabalhei, como moço de servir, os lavradores faziam um contrato de arrendamento diferente daquele da aldeia.
Os lavradores, conhedores daquilo que os seus campos produziam em anos normais, celebravam um contrato baseado em duas partes para o senhorio e uma parte para o caseiro, mas,nas seguintes condições; No São Miguel (mês de Setembro) pagar ao senhorio; X rasas de milho, X rasas de batatas, X rasas de feijão etc... Era exigido ao caseiro, um fiador, que constava no respectivo contrato.Os contratos já vêm de muito longe, vejam
este recibo, que suponho ser de um pároco, a dar quitação ao caseiro, daquilo
que recebeu e ficou a dever, no ano de 1847.
Caso o ano corresse mal, por questões climatéricas ou outras e que as colheitas ficassem reduzidas a metade ou menos; o senhorio recebia o contratado e o caseiro ficava reduzido á miséria, porque não ficava com nenhuma parte da produção, para sustentar a familia e ainda ficava em débito ao senhorio.
Os leitores de " Memórias do Rego":- Dirão. Mas que tem haver o concelho do Porto ou o concelho de Matosinhos, com os costumes da freguesia do Rego?
Caros ledores, havia uma grande diferença entre os caseiros-rendeiros da freguesia do Rego e caseiros-rendeiros do Porto e Matosinhos. Os caseiros da aldeia do Rego, tinham sempre garantida uma parte da produção, os senhorios do Porto e Matosinhos tinham sempre duas partes da produção garantidas e os caseiros só tinham uma parte da produção garantida se as colheitas fossem normais, o que nem sempre acontecia. Por isso citei esta grande diferença. Embora houvessem algumas excepções.
Os lavradores
e caseiros, eram obrigados a manifestar a quantidade de
todas as colheitas de ceriais, num impresso próprio e entregavam-no ao Regedor, que depois de o conferir e assinar, era entregue ao presidente da Câmara Municipal da Comarca.
Durante as culturas, a Camara Municipal, mandava os fiscais, fiscalizar os campos que estavam cultivados e fazer a devida anotação no livro destinado para aquele efeito. Como se pode ver na foto em baixo, o fiscal no meio do milho a fazer anotações.
Com a devida vénia do Autor.
O fiscal da camara Municipal a tomar apontamentos no meio do milho. Os municipios mandavam fiscalizar todos os campos de cultivo de milho, para ver se estavam em conformidade com os manifestos que os produtores entregavam ao fim de cada colheita, ao regedor de cada freguesia, os regedores depois de conferirem os manifestos,entregavam os mesmos nas camaras municipais.
A fornada (cozer o pão)
O milho ia em sacos para o moinho, depois de moído, a farinha, era
metida em foles, e transportada ás costas até casa (isto quando se tratava de moinho próprio
ou comunitário).
A patroa fervia um grande pote de água, suficiente para amassar
alqueire e meio de farinha, nos grandes fornos. Ás vezes a
fornada era de dois alqueires, quando haviam vessadas ou outros trabalhos, que juntavam muita gente.
E o pão
era cozido para durar até três semanas.
Deitava-se dentro da maceira, a quantidade de farinha que se pretendia cozer.
Desfazia-se o fermento e misturava-se com aquela farinha. Nalgumas casas,
juntavam uma porção de farinha de centeio.
De seguida, lançava-se a água na
farinha e amassava-se tudo bem amassado, até ficar uma massa uniforme.
Depois deitava-se farinha seca por cima, alisava-se a massa e fazia-se uma cruz
por cima.
Passadas umas horas, a massa abria umas gretas a meio,
estava levedada.
Daquela massa era retirado o fermento para a próxima fornada.
Acendia-se
o forno e
rezava-se por todas as almas que estivessem a sofrer no purgatório.
Se a Sardinheira já
tivesse passado, compravam-se sardinhas para assar em cima do bolo, e ia
servir de presigo, para o jantar ou merenda.
Com a devida vénia do Autor.
Quando as paredes estivessem vermelhas, estava em condições
para cozer a fornada.
Retiravam-se as brasas e vassourava-se o forno.
Deitava-se
dentro da escudela no fundo, farinha seca para a massa não se agarrar, depois a
porção para a broa que queria fazer, com a escudela moldava-se a broa,
punha-se na pá e deitava-se no forno, por cima duma folha de couve.
Com a devida vénia do Autor.
Quando estivessem todas as broas dentro do forno, colocava-se a porta e
barrava-se
em toda a sua extensão, com bosta das vacas. Passadas umas horas o pão
estava cozido.
Narrei estes costumes, para que os nossos jovens de hoje,
conheçam os trabalhos que os seus antepassados. avós e bisavós passaram até poderem comer o
pão.
Curiosidades
As medidas usadas para medir os ceriais, naquela época eram: o carro, quintal, um alqueire, meio alqueire, um quarto de alqueire e quartinho de alqueire.
Que correspondem a rasa, meia rasa, quarto , meio quarto e quartinho.
Duas medidas de ceriais, rasa e meia rasa, que hoje servem para enfeitar. Fazem de vasos para flores.
a) Na cidade do Porto e concelho de Matosinhos, nas casas de lavoura,onde trabalhei, como moço de lavoura, não se chamava ceita, chamava-se leiva.
Ambrósio Lopes Vaz
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